Segundo o novíssimo Dicionário Aulete Digital, a palavra carioquice seria “o caráter ou qualidade peculiar do que ou de quem é carioca”. Carioquice é um nome feminino que significa um ato ou um dito próprio de carioca. Já o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa assevera que carioquice é “a afinidade por tudo o que é carioca”.
Este cronista, ao inaugurar a primeira “Esquina do Ricardo”, coluna que abria a histórica revista trimestral Carioquice (hoje transformada neste Almanaque que os leitores têm às mãos), cunhou a frase: “carioquice será sempre um estado de espírito”.
Mas neste Almanaque de igual nome da antiga revista que a Insight mostra agora ao Brasil (me refiro a esta sétima edição anual), esse “état d’esprit” está muito bem amparado por uma definição de essência: a certeza de estarmos exibindo o melhor do espírito carioca.
Eu escrevi naquele já remoto 2004, com orgulho e certo furor, “o que será mesmo o espírito carioca utilizado para soerguer a autoestima do Rio, hoje tão combalida?”.
E reitero tim-tim por tim-tim o que escrevi com 20 anos a menos na idade: “o espírito carioca é o irrefreável sentimento de descontração, de largueza de gestos, do celebrar-se a cidade que penetra lá no fundo da alma de quem é invadido por sua beleza, elegância e originalidade. E nunca aquele estado sombrio que pode nos acabrunhar pelas
ondas (que aparecem e desaparecem) de possíveis violências, impunidades, desencontros”.
A Carioquice desde seu número um (com capa de Martinho da Vila) em 2004, até sua última edição trimestral (em 2017, com capa de Jorge Bastos Moreno), pôs de pé um Rio amável e fraterno. A revista escreveu em textos exemplares e exibiu em imagens preciosas a mais refinada essência dessa gente fantástica, a gente carioca. Algumas
das músicas mais sedutoras de gênios cariocas, do porte de Cartola ou Tom Jobim, não existiriam fora da convergência mágica do Rio, a unir pobres e ricos pelos morros da cidade.
Como não absorver como carioquice gente da mais fina extirpe, do porte de Vinicius de Moraes ou Sergio Porto; e Cyro Monteiro ou Lan? Cito apenas quatro, de um caldeirão de um milhão de estupendos cariocas que iluminaram o Rio desde que a cidade se cristalizou pouco a pouco com Estácio de Sá na Urca até a chegada da corte portuguesa
com D. João no Cais, ao pé do Morro do Castelo. E logo depois com nosso primeiro imperador e proclamador da Independência do Brasil, D. Pedro I. Cito sempre – e o faço agora – uma mulher singularíssima na história de nossa gente, a austríaca Imperatriz Leopoldina.
Há exatos vinte anos, houve uma surpresa geral quando apareceu, em 2004, a nova revista Carioquice, editada pela competência do editor Luiz Cesar Faro, da Insight. Foram 51 opulentas edições com longas entrevistas de capa, abrigando personagens da vida brasileira da mais extensa diversidade – todas vistoriadas com aguda percepção
pela então repórter Monica Sinelli –, de Bethânia e Marlene à Joyce e Dona Ivone Lara, de Nélida Piñon e Ana Botafogo, de Ivo Pitanguy a Geraldo Carneiro. Personalidades as mais distintas marcaram suas presenças na Carioquice a ferro e fogo na cultura, na gastronomia, nas artes plásticas, no cinema, na vida pública e no modo de pensar o Rio e o próprio país.
Abro aqui um breve parêntese para informar que o Instituto Cultural Cravo Albin ganhou concorrência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) para editar um livro contendo as 51 capas da revista Carioquice e suas matérias principais, exatamente as de capa.
Aguardem, que valerá a pena. Em 2018, a revista se tornou, para a surpresa de muitos, o Almanaque Carioquice, publicação anual a sair a cada comecinho de Ano Novo no Rio, sempre apontando (ou melhor, revelando)
lugares referenciais da cidade. Ouvi um único muxoxo, o do meu querido amigo Jaguar, por sinal um dos símbolos vivos do que se entende por carioquice: “Puxa, uma revista que chega a 50 números com essa qualidade estava a sinalizar que viveria por mais mil, dois ou até cinco mil números”.
O Instituto Cultural Cravo Albin (ICCA) pede para esta edição todas as atenções, respeito e – o importante – sua preservação física em lugares muito seguros. “Conservar é manter para sempre!” – tese principal deste Instituto.
“Carioquice será sempre um estado de espírito”
Ricardo Cravo Albin