Irmandade expressa afirmação identitária para a comunidade negra

Principal irmandade católica negra da cidade, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito foi reinaugurada em agosto de 2021, após oito meses de reforma. Ela derivou da unificação, em 1667, das confrarias de escravizados Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, então albergadas na antiga Igreja de São Sebastião, no Morro do Castelo. Esta última, em 1684, fora designada Catedral do Rio de Janeiro, gerando desentendimentos entre os cônegos da Velha Sé do Bispado e a irmandade, que decidiu se retirar das dependências daquele templo.

Em 1708, com a doação de um terreno situado na Rua da Vala, atual Uruguaiana, começaram as obras de construção da chamada igreja dos homens pretos ou dos escravos, concluídas quase 30 anos depois. De 1737 a 1808, devido à ruína da Igreja de São Sebastião, o santuário sediou a Catedral da cidade e recebeu, no seu último ano como sede, a visita de D. João VI e sua corte, em agradecimento pelo êxito da chegada ao Rio.

Posteriormente, a área destinada ao consistório da irmandade foi utilizada em momentos importantes da história nacional. Lá, durante 13 anos, ocorreram sessões da Câmara Federal – até a declaração da Independência do Brasil – e também a redação da representação popular que culminou no Dia do Fico. O lugar testemunhou, ainda, as reuniões da Imperial Academia de Medicina.

Hoje, sob a reitoria do padre Edmar Augusto Costa, o templo tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e patrimônio da cidade do Rio de Janeiro, que guarda os restos mortais do Mestre Valentim, conserva a fachada com duas torres, a portada maneirista de pedra de lioz e parte das paredes da nave e da capela-mor. Seu interior, em estilo barroco, fora executado pela técnica escultórica conhecida como talha dourada (a madeira é esculpida e revestida por uma película de ouro). Mas sofreu destruição completa num incêndio em 1967. Nas obras de restauro – assinadas pelos arquitetos Lúcio Costa e Sérgio Porto –, entregues ao público dois anos depois, sobressai o renque de sobrados comerciais inserido no corpo da construção religiosa.

A igreja expôs, até 2019, o acervo do Museu do Negro, classificado como museu-devoção, envolvendo peças representativas das práticas religiosas dos fiéis. Elas estão associadas tanto ao culto a santos e entidades – as imagens de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e escrava Anastácia (reverenciada como santa afro-brasileira) – quanto à memória de Zumbi dos Palmares, Princesa Isabel (A Redentora) e do movimento abolicionista.

A coleção abrange instrumentos de tortura, indumentárias, livros do século XIX, fotografias e esculturas. Destacam-se, igualmente, os dois únicos estandartes dos abolicionistas e uma grande peça de mármore, que serviu de molde para o jazigo da Princesa Isabel e do Conde D’Eu. Segundo o historiador Bruno Alves Fernandes – membro leigo da irmandade e que coordenava o museu, ao lado de Ricardo da Silva Passos –, “o acervo está sob a guarda do Iphan e da Arquidiocese do Rio, na expectativa de ser reaberto ao público”.

 

Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito

Rua Uruguaiana, 77 – Centro

Tel.: (21) 98115-0750