O belo Outeiro da Glória testemunhou pecados da nobreza imperial

O Rio de Janeiro, na condição de ex-capital da Colônia, do Império e da República, é cenário por excelência dos livros publicados por Mary Del Priore. Para nosso deleite, a consagrada historiadora vem nos presenteando com narrativas saborosas em torno de costumes e hábitos cotidianos de governantes e do povo de Vera Cruz ao longo do tempo. Da serra de Teresópolis, onde mora atualmente, ela nos escreve acerca de um monumento que considera especial no Rio: a Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro.

“Ontem ou hoje, quem a vê se enamora. Plantada como a cereja no alto do bolo, por séculos chamou atenção de quem a enxergava do mar ou a visitava por terra. Coberto de mata e depois de jardins, o monte Uruçumirim, para os índios tupinambás, depois outeiro de Leripe, ali viu passar, vestido com o hábito de São Francisco, o ermitão Antonio Caminha no século XVII. Era homem que morava e orava numa capela de taipa. Num nicho, a imagem da Virgem que ele mesmo esculpiu.

A devoção do povo aumentou, a fé guiava os romeiros e, no início do século XVIII, a torre sineira e dois prismas bojudos que se dão as mãos nas costas foram edificados para louvar a santa. Nasceu branca, feminina e aconchegante a pequena igreja dedicada a Nossa Senhora da Glória.

Os olhos se deslumbram com a beleza do interior, onde as arcadas de granito abraçam carinhosamente os azulejos azuis e brancos vindos de Portugal. Depois de inaugurada, em 1739, abrigou a Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. A talha dos púlpitos revela a história dos artesãos, que deram à madeira a fantasia de parecer planta e flor. Na entrada, duas conchas de lioz, plenas de água benta, convidam a tocar o mármore rosa e a descobrir sua sensualidade.

No seio da bela, acima do arco do cruzeiro, o brasão do Império lembra a relação com os Orleans e Bragança. A arquiduquesa e depois imperatriz Leopoldina encantou-se com a igreja e tornou-se devota da imagem. Ali rezava e levou a batizar, nos braços de D. João VI, a primogênita princesa Maria da Glória, futura rainha de Portugal, que recebeu o nome da Virgem. No altar-mor também foi depositado, com um mês de idade, o futuro D. Pedro II. Ali, também, a boa imperatriz foi vista por estrangeiras, como Maria Graham e Rose de Freycinet, mal vestida e com cabelos em desordem, demonstrando que tanto seu casamento quanto sua saúde estavam no fim.

Enquanto Leopoldina rezava, D. Pedro pecava com Maria Benedita Delfim Moreira, a baronesa de Sorocaba e irmã da Marquesa de Santos, sua amante. Ele partia de uma escada em espiral que ficava atrás do outeiro e ia ao seu encontro na Villa Aymorés, graças a uma trilha na mata. Em 1828, Maria Benedita sofreu um atentado, após Domitila de Castro descobrir que os dois tinham um filho: Rodrigo Delfim Pereira. Nossa Senhora há de ter ouvido os tiros e perdoado as culpas…”
Mary, ao eleger a Igreja da Glória como “a mais bela de todas”, segue imbatível na revelação dos bastidores da história pátria.

 

Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro
Praça Nossa Senhora da Glória, 26 – Glória
Te.l: (21) 2557-4600