Espaço fundado há 68 anos no Andaraí é símbolo de resistência étnica

A tertúlia começou em maio de 2005, ao redor de feijoadas no fogão de lenha para troca de ideias com os amigos, seguidas de rodas de samba. Detalhe: os encontros, no Renascença Clube, aconteciam a partir das duas da tarde das segundas-feiras. Por isso, o anfitrião, Moacyr Luz, batizou-os de Samba do Trabalhador. Era um afago aos músicos que laboravam até nos sábados e domingos, folgando no primeiro dia útil da semana. “O clube nos acolheu de braços abertos”, recorda o grande Moa.

A simbiose desenvolvida ao longo desses quase 15 anos foi tal que não é possível falar de roda de samba no Rio sem remeter ao Renascença e vice-versa. Mas a história e as demais atividades desse centro de resistência cultural não são tão disseminadas. Sob um ornamento heráldico em forma de um lírio estilizado, o Rena, como é carinhosamente chamado, surgiu em 1951. Um grupo de 29 negros de classe média alta, discriminados em clubes tradicionalmente frequentados por famílias brancas, decidiu criar uma agremiação onde pudessem conviver livres de preconceitos.

A primeira sede, uma casa antiga com um grande quintal no Méier, impactaria o panorama das relações sociorraciais na cidade. Surgia, assim, uma organização atuante na defesa dos movimentos comprometidos com a igualdade educacional, política, social e econômica dos cidadãos negros no Brasil. Sete anos após a fundação, o clube transferiu-se para o bairro do Andaraí, onde funciona até hoje. Desde então, mantém-se como trincheira das manifestações culturais afro-brasileiras e do samba de raiz – conforme explicita a roda do Trabalhador.

Além dos shows, o Renascença mantém o Núcleo de Teatro, composto por associados e jovens da comunidade do entorno, com a montagem de espetáculos como a icônica “Orfeu negro”. Já o projeto RenaCine exibe, gratuitamente, na primeira sexta-feira do mês, filmes centrados nas questões raciais. Durante as sessões, é servido o já tradicional caldinho de ervilha. No final, acontece um debate entre especialistas no tema, jornalistas e o público.

Outra iniciativa, lançada em 2016, é a Festa Literária do Samba e Resistência Cultural (FliSamba), objetivando valorizar a produção de escritores, compositores e editoras de obras que destaquem a cultura negra e o samba carioca. O evento, em formato de feira, homenageia anualmente personagens importantes, a exemplo de Nei Lopes, Dona Ivone Lara e Monarco. E conta com estandes para lançamentos de livros, como “Na minha pele”, do ator Lázaro Ramos. Um festival gastronômico de ensopados, rodas de samba e a exposição de produtos de afro-empreendedores coroam a programação.

O Rena organiza, ainda, palestras e mostras de fotos em torno de personalidades negras, além de promover o intercâmbio literário com Angola e Moçambique. “Esse movimento todo iluminou a Zona Norte. Chegou a hora dessa gente não bronzeada mostrar seu valor”, brinca Moa.


Renascença Clube

Rua Barão de São Francisco, 54 – Andaraí
Tel.: (21) 3253-2322