Confeitaria Manon adoça a caminhada pelo antigo Desvio de Mar
“Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite…”, filosofava o repórter João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto. Das muitas perambulações cidade afora, João do Rio, como ficou conhecido, extraía a seiva de suas crônicas jornalísticas.
Nesses escritos, escancarava-se uma janela pela qual desfilavam o glamour da alta sociedade e a marginalização do povo no Brasil republicano. No clássico “A alma encantadora das ruas”, coletânea de textos publicados na imprensa carioca entre 1904 e 1907, o Baudelaire nascido na antiga Rua do Hospício descreve com acidez cenas da Belle Époque à la Rio.
No livro, o dândi tropical, frequentador tanto de salões luxuosos quanto de centros espíritas no subúrbio e rodas de samba nas favelas, declara: “Oh! sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira…” E passa então a tecer comentários afiadíssimos sobre o perfil das vias urbanas mais movimentadas à época.
A principal delas, o coração do Rio – de onde ele batucava suas ousadas linhas na redação da “Gazeta de Notícias” –, ganhou a cáustica fotografia: “Vede a Rua do Ouvidor. É a fanfarronada em pessoa, exagerando, mentindo, tomando parte em tudo, mas desertando, correndo os taipais das montras à mais leve sombra de perigo. Esse beco inferno de pose, de vaidade, de inveja, tem a especialidade da bravata.”
A “artéria da futilidade” – em que se reunia a roda boêmia parnasiana de Olavo Bilac, cultor do estilo de vida parisiense –, fora aberta em 1567 e chamada de Desvio de Mar. Quando o ouvidor-mor Francisco Berquó da Silveira se mudou para lá, em 1870, as pessoas começaram a se referir a ela como a rua do oficial de Justiça da cidade. Era o centro do Centro, abrigando sedes de jornais, editoras, livrarias, cafés, restaurantes e estabelecimentos de alta moda importada do Velho Mundo.
Nos dias de hoje, mantém-se estreita como no período imperial e acessível, em alguns trechos, somente a pedestres. O bom, segundo recomendava o olhar de águia de João do Rio, é simplesmente flanar por ela. A caminhada vai do Largo de São Francisco, atravessando-se o trecho histórico cortado pela Rua do Mercado, até a Praça XV, o antigo Largo do Paço.
Não deixe de entrar na Confeitaria Manon, aberta desde 1942. Peça um café com Madrileño, um pãozinho doce com creme e goiabada, a especialidade da casa. Tombada pela prefeitura, ela preserva os pisos de mármore, espelhos franceses e outras peças decorativas da época. Depois, é só seguir apreciando o casario e os monumentos do Rio Antigo – além das mais diversas figuras, que encarnam, afinal, a alma encantadora das ruas.
Rua do Ouvidor – Centro
Entre o Largo de São Francisco e a Praça XV