E o Oscar vai para a conexão entre o Horto e o Alto da Boa Vista

Em 1940, o alagoano Manuel Diegues, discípulo de Gilberto Freyre, desembarcou com a família no Rio de Janeiro, onde fundaria o curso de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC). O filho Carlos, de cinco anos, crescia cercado dos cuidados da mãe, que achava a cidade muito perigosa. “Ela não gostava que eu saísse de casa, só me deixava ir ao cinema ou jogar futebol no clube do Botafogo, no bairro onde morávamos. Fui estudar no Colégio Santo Inácio, de jesuítas. Ficava preso lá o dia inteiro. Minha memória infantil até a adolescência identificava o Rio como um lugar de trabalho e estudo”, reconstitui Cacá Diegues.

Mais tarde, buscando cumprir a exigência do pai por um diploma, optou pelo Direito, mais afim às ciências humanas. No estimulante campus da PUC da Gávea, ele experimentou um renascimento. Começou a frequentar a Cinemateca do MAM, ao lado de Glauber Rocha e Leon Hirszman, e criou um cineclube na Faculdade. Dali em diante, o menino que associava o Rio à ordem dos deveres ganharia não só a cidade, como o Brasil e o mundo. Nem apareceu para tomar posse do canudo de advogado, mas seus filmes passaram a expressar a defesa de tudo o que seja demasiadamente humano.

O diretor de clássicos como “Bye-bye, Brasil” e “Chica da Silva” costuma caminhar pela decantada praia de Ipanema, onde mora. Porém, ele enfatiza: “Nada no Rio é mais belo que a Estrada Dona Castorina, aquela que começa no Alto da Boa Vista, na altura da residência oficial do prefeito, e vai terminar no portão do Clube dos Macacos. Ou vice-versa. Ela passa por pontos extraordinários e bem conhecidos, como a Mesa do Imperador, a Vista Chinesa e as cachoeiras do Horto, lugares que merecem uma visita e estão sempre cheios de gente que teve essa mesma ideia.”

Cacá transborda razão. Ou não é inebriante a paisagem – abarcando o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a Lagoa Rodrigo de Freitas e o litoral da Zona Sul – que se descortina do mirante da Vista Chinesa? Edificado em 1903, o pagode oriental, a 380 metros de altura, integra o Parque Nacional da Tijuca e representa uma homenagem à presença dos primeiros agricultores vindos da China ao Rio, em meados do século XIX, objetivando o cultivo de chá. Já a Mesa do Imperador acolhia D. Pedro II em suas incursões pela floresta, sendo utilizada pela nobreza para repastos campestres. O percurso, a pé ou de bike, pelos mais atléticos, ou de carro, fica completo com uma ducha numa das cachoeiras do Horto.

Essas paradinhas, claro, dão um charme extra à jornada pela Dona Castorina. “Mas bom mesmo – ensina o rei dos enquadramentos cinematográficos – é passar por ela, vencer as curvas da linda estrada, sem intenções e sem preocupações. Parece que ali era um velho caminho que distribuía o café plantado nas encostas do Rio de Janeiro. Mas hoje ela arrasta nossos corações, através do que vemos a ladeá-la.” Depois de um passeio desses, bate a sensação revigorante de que, como no filme de Cacá – agora também um imortal da Academia Brasileira de Letras –, dias melhores virão.

 

Estrada Dona Castorina – Jardim Botânico
Liga o Horto ao Alto da Boa Vista