Em momentos como este, em que vem à lume uma nova edição do já agora histórico Almanaque Carioquice, que se destina a afagar o orgulho que nós e todo o Brasil acalentamos pela cidade de São Sebastião, cumpro um dever. E, mais que isso, o prazer de saudar uma possibilidade que, todos que amamos o Rio, aguardamos por uma década.

Ou seja, a volta do Canecão às quebradas do Rio musical, do Rio que sempre se nutre de eventos, do Rio de seus artistas, cantores e músicos, do frisson dos grandes palcos, da alegria certeira que esse conjunto de feitiços sempre despejou na gente carioca, no Brasil todo, e nos plasmou na fatalidade de sermos felizes. Eufórico pela novidade, eu vou de imediato ao assunto.

Já está em exercício acadêmico-administrativo a promissora reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A quem já está cabendo os trabalhos de recuperação da mais afamada casa de espetáculos deste país por quase 40 anos. As linhas que se seguem são mais um suspiro de esperança do que qualquer outro sentimento. Até porque ao Instituto Cravo Albin foi doado o precioso acervo do Canecão logo que a casa de Botafogo foi fechada. Este bem cultural é procuradíssimo por toda espécie de pesquisadores e produtores, que nos assediam e chegam de distâncias geográficas insuspeitadas.

Registro que se impõe fazer de imediato uma observação amorosa para evitar mal entendido. Venero a minha Universidade, a sempre saudosa Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, plantada no casarão do Largo do Caco. Portanto, jamais terei qualquer palavra senão de amor à minha inestimável FND da UB.

Eu assisti no Canecão a momentos inesquecíveis da história da canção e do teatro brasileiros. A começar pela noite de inauguração da Casa, quando ainda era uma choperia – daí o nome Canecão. Por 40 anos, apresentaram-se ali espetáculos musicais e teatrais que fazem parte da história afetiva do Rio e do show business internacional. Eu mesmo dirigi alguns espetáculos para o Canecão, como o hoje antológico Prêmio Shell para Martinho da Vila. E posso testemunhar que raras casas foram tão boas para se trabalhar e se produzir peças culturais de alta qualidade e refinamento.

Em 1999, a notícia me alarmou: O Canecão estaria com os dias contados, já que a UFRJ pretendia ter o imóvel de volta para ali construir outra coisa. Ainda naquele ano, o tombamento do Canecão pelo Inepac estadual – por constituir ponto essencial de referência e de afeto público do Rio – decorreu do fato de um abaixo-assinado (que idealizei) ter-se tornado conhecido ao receber assinaturas de gente do porte, entre outros, de Barbosa Lima Sobrinho, Antônio Houaiss, Chico Buarque, Oscar Niemeyer e Bibi Ferreira.

A questão foi que a UFRJ, alegando que o Canecão pagava pouco, retomou-o. Há que se observar aqui um detalhe fundamental: a Casa, quando fechada, estava totalmente montada e equipada para abrigar as mais de duas mil pessoas habituais.

Mas – eis o desperdício, agora sendo corrigido – a UFRJ viu-se de súbito obrigada a quase abandoná-la à própria sorte pela sucessão de crises financeiras. Seria razoável se não se observassem dois itens básicos: o primeiro é que um ponto de referência – tombado exatamente pela ação contínua de shows nacionais e internacionais – deveria ser respeitado. E o segundo: uma Universidade não poderia mesmo disputar bilheterias envolvendo show business com empresários de espetáculos. Mas, sim, chamá-los à mesa de negociação e redefinir valores. Os espíritos dos professores mais atentos e sensíveis, luminares da maior universidade pública do Brasil, certamente se acanharam muito, tanto quanto eu soube, em se verem necessitados a desativar um ponto de referência que por 40 anos assegurou palco, prestígio e emprego aos artistas do Brasil.

Portanto, caberá à nova reitora e seu Conselho Universitário, com possível ajuda do governo do Estado, definirem se a celebérrima casa de shows, hoje muitíssimo avariada, voltará a ser entregue a um novo empresário do ramo cultural. Um espaço como o Canecão estará sempre na cabeça, no sonho e na esperança de todos os artistas. E também de nós, sonhadores inveterados com o urgente resgate do Rio.

RICARDO CRAVO ALBIN
Presidente DO ICCA